Tenho problemas com finais.
Detesto despedidas. Nem sempre sei o que dizer quando as coisas se acabam. Finais, por vezes são desastrosos.
Há quem diga que seja por memórias do passado. Claro que isso não é verdade. Separação, falência, fome, solidão, morte… Tudo que envolve a continuidade da vida.
Um amigo me contou algo que foi extremamente desesperador para ele e sua esposa. Eles têm um filho recém-nascido. O Gabriel possui um pouco mais de dois meses de existência real. Por duas vezes ele se engasgou na amamentação.
Eu não sou pai. Alguns de vocês que são pais podem ter passado isso. Quem sabe, mais de uma vez. Hoje, quando olham os seus filhos crescidos, sejam ainda crianças não tão solícitas, adolescentes, jovens adultos e até casados o engasgo é só uma lembrança: a de desespero por não saber lidar com aquilo e a do alívio de que "o pior não aconteceu".
A vida é frágil demais! Minha mãe me amamentou e eu poderia ter morrido. Mesmo que o alimento seja necessário, ainda sim, ele é capaz de me matar. Tudo é uma potência de morte.
São inúmeros cálculos que me levam a crer que a vida é um milagre. E esse milagre se marca por inteiro ou se desfaz no outro milagre por nome tempo.
Todas as coisas caminham para um fim. Se não somos abandonados, abandonamos alguém. O final é sempre inevitável. Se a consciência sobre essa parte da vida ilumina a outros, nem sempre as memórias deveriam nos causar dores.
A medicina é o ramo mais lucrativo do mundo.
Isso porque alguém entendeu que as pessoas lançam mão de qualquer dinheiro (até mesmo do que não têm) para viver qualquer segundo a mais.
Seja porque a sua vida foi muito boa e proporcionou prazer a quem sempre amou e lhe assombra a ideia de lágrimas nos olhos e ranho no nariz de quem ama... Seja porque o tempo está acabando e sinta que ainda precisar retificar, consertar algo, escrever mais uma linha, correr mais um metro.
Todo fim é inevitável, mas o que nos perturba é a sua exatidão sem aviso.
Não como uma surpresa, mas como um "Será que não posso brincar mais cinco minutos, mãe?".
A morte não lhe dará um segundo a mais.
A banalização da humanidade é espelho do "Penso, logo existo". Como se a viver fosse um ato da razão e não da fé.
As pessoas em um passado não muito distante casavam sem faculdades e TCCs apresentados. Sem cargos bons em empresas. Csavam com riscos de pegar alguma das mil doenças que matavam por falta de aspirina. A inflação absurda. A restrição de alimentos. O analfabetismo…
O mundo sempre foi insalubre. O mundo sempre foi utilitarista. O mundo sempre foi perverso. Os pais abandonam seus filhos desde sempre. O primeiro assassinato nasceu pelo laço sanguíneo da irmandade. A traição mais famosa, na amizade.
E quem precisa de vida, acredita sempre um pouco mais que milagres possam acontecer. Ainda que não seja visível, ainda que não corresponda às expectativas. Um milagre é sempre um novo motivo para celebrar a permanência (que só Deus sabe até onde se vai).
Das coisas que tenho para me queixar da forma com que conduzo a vida, da maneira como enxergo as coisas, de como eu sinto as coisas, só tenho uma coisa a dizer:
Todo dia é um novo dia para viver.
Por isso está escrito:
O fim das coisas é melhor que o seu início, e a paciência é melhor que o orgulho
Eclesiastes 7.8